O racismo durante a graduação
Com apenas 21 anos de idade, a estudante paulistana Grazielli Messias fala com voz firme sobre suas experiências na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, a Unesp, em Araçatuba, um dos 21 campi no interior do estado.
Cursando o quarto ano de Medicina Veterinária, tendo nascido e morado na capital, conta que teve um choque ao se mudar para o interior. Segundo sua definição, caiu em “um mundo branco e heteronormativo, de hábitos cristalizados”.
De mãe cozinheira e pai porteiro, na família, apenas um dos tios havia concluído uma graduação, em psicologia, e os demais foram tendo acesso ao ensino superior após os anos 2000. Ela nota que nas escolas públicas onde cursou o fundamental e o ensino médio, o panorama étnico era muito mais diverso. Na turma atual, em 60 alunos, apenas seis são afrodescendentes.
A paixão por Medicina Veterinária é antiga: muito pequena ela afirmava que queria ser “médica de bicho”, revela entre sorrisos.
Grazi, antes de chegar na Unesp em 2018, havia começado a estudar em uma faculdade privada com bolsa 100% Prouni e mensalidade de mais de três mil reais, e considera que embora a atual faculdade seja pública, ainda acha o curso elitizado devido à concorrência.
Para realizar o sonho de estudar em uma faculdade pública, ela abandonou o posto de jovem aprendiz na Natura, empresa de cosméticos.
Cabelo ‘bom’
Perceber os sinais de racismo, conta a estudante, é um exercício feito em casa “meu pai e avô falavam em negritude, sem embasamentos teóricos, mas com conhecimento da vivência”.
O suporte intelectual-acadêmico ocorreu após o ingresso na faculdade, ao conhecer um estudante de Ciências Sociais na USP, “pessoa engajada na luta pela igualdade”, define.
Na vivência acadêmica, ela afirma que o racismo é estrutural, pois não dá condições da pessoa negra e pobre permanecer adequadamente no ensino superior. No caso de sua escola, a maioria dos alunos possui carro, mas quem mora nos alojamentos pedala 40 minutos até o campus debaixo de um sol escaldante, pois não há transporte. “É por isso que questiono a eficácia do programa de permanência. Não adianta colocar o aluno na faculdade e não dar condições para que ele estude”, reclama.
Além disso, conta que nota “olhares e até mesmo ações” que denotam desapreço étnico. Ele relata que já chegou a ter professor apontando para estudantes com cabelos étnicos e dizendo que lamenta que Deus não abençoou todo mundo com “cabelo bom”. Também relata que já testemunhou professores usando os estudantes negros para exemplos fortemente racistas, em sua visão. Como solução, defende medidas mais duras para punir o comportamento criminoso.
“Sou uma mulher preta atingida pelo racismo”, dispara. “Um dia estava no estágio, de jaleco e estetoscópio e a tutora perguntou ‘por que a moça da limpeza vai participar da consulta?’”. Ela também relata que tem tutor que puxa o animal da mão do médico-veterinário, devido ao preconceito racial, mas “a gente não pode deixar passar, senão as coisas não mudam”.
Em meio a tantos desafios, se engana em quem pensa em uma pessoa triste. Cheia de planos, Graziela elabora os próximos passos: “Vejo o futuro profissional na indústria farmacêutica, entrando como trainee e crescendo na empresa”. E não duvide do poder dessa menina que mira longe e luta para alcançar suas metas.