Coronavirus – A virologista dra. Érica Azevedo Costa esclarece dúvidas sobre o Coronavirus
O CRMV-MG procurou a virologista dra. Érica Azevedo Costa, professora adjunta no departamento de Medicina Veterinária preventiva da UFMG, para responder dúvidas sobre o Coronavirus que médicos veterinários e zootecnistas enviaram via redes sociais. As perguntas foram coletas nos dias 12 e 13 de fevereiro de 2020.
INTRODUÇÃO SOBRE A ORIGEM E EVOLUÇÃO DOS CORONAVIRUS PATOGÊNICOS
Os coronavirus causam infecções respiratórias e intestinais em animais e humanos. Eles não foram considerados altamente patogênicos para os seres humanos até o surto da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) em 2002 e 2003 na província de Guangdong, China, uma vez que os coronavirus que circulavam antes desse período em humanos causavam principalmente infecções leves em pessoas imunocompetentes. Dez anos após a SARS, outro coronavirus altamente patogênico, o coronavirus da Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS-CoV), surgiu em países do Oriente Médio.
Os dois vírus altamente patogênicos, SARS-CoV e MERS-CoV, causam síndrome respiratória grave em humanos, e os outros quatro coronavirus humanos já identificados (HCoV-NL63, HCoV-229E, HCoV-OC43 e HKU1) induzem apenas doenças respiratórias superiores leves, parecida com um resfriado, em pessoas imunocompetentes, embora alguns deles possam causar infecções graves em bebês, crianças pequenas e idosos.
Com base em estudos do material genético viral, todos os coronavirus humanos têm origem animal: SARS-CoV, MERS-CoV, HCoV-NL63 e HCoV-229E são considerados originários de morcegos; HCoV-OC43 e HKU1 provavelmente se originaram de roedores. Os animais domésticos e/ou silvestres podem ter papéis importantes como hospedeiros intermediários que permitem a transmissão do vírus dos hospedeiros naturais para seres humanos. Além disso, os próprios animais domésticos e/ou silvestres podem sofrer doenças causadas por coronavirus transmitidos pelos morcegos.
O que tem sido aceito hoje em dia como origem e evolução dos coronavirus patogênicos humanos, pelos pesquisadores, é que o progenitor direto é produzido por recombinação em morcegos e depois transmitido a hospedeiros animais, considerados hospedeiros intermediários, nos quais o vírus adquire novas mutações antes da transmissão para os humanos. Sugere-se que a transmissão entre os hospedeiros, seja feita por transmissão fecal-oral. Os coronavirus de morcegos tem sido detectados frequentemente em suabe anal de morcegos, provavelmente sendo transmitidos aos hospedeiros intermediários por contato direto com as fezes dos morcegos. Os hospedeiros intermediários podem transmitir para os humanos, possivelmente através do contato com secreções nasais dos animais.
No caso da SARS, os hospedeiros intermediários foram os civetas (mamífero silvestre também chamado de gato selvagem, que estava sendo vendido nos mercados de carne da China) e no caso da MERS, foram os camelos (dromedários). Especula-se que no caso do novo coronavirus de 2019, o hospedeiro intermediário seja o pangolim (mamífero silvestre também chamado de tamanduás escamosos), que também estava sendo vendido nos mercados de carne. Provavelmente, esses animais silvestres chegaram no mercado já infectados pelo coronavirus, que foi transmitido para outros animais e para as pessoas que manipulavam esses animais.
Quais são os sinais clínicos mais evidentes?
Os sinais clínicos podem variar desde casos assintomáticos, casos de infecções de vias aéreas superiores semelhante ao resfriado, até casos graves com pneumonia e insuficiência respiratória aguda, com dificuldade respiratória. Dentre as pessoas infectadas pelo coronavirus que foram admitidas no hospital Wuhan, os sinais e sintomas mais prevalentes foram: febre (98%), tosse (76%), dispneia (55%), mialgia ou fadiga (44%). Apesar dos sinais e sintomas do coronavirus serem principalmente respiratórios, também há relato de diarréia. A intensidade e gravidade dos sintomas pode ser muito variável. Apenas a minoria vai apresentar quadros graves. Crianças de pouca idade, idosos e pacientes com baixa imunidade e com doenças já existentes (diabetes, tumos abdominal, disfunção renal, doença hepática crônica, miocardite e doença cardiovascular) podem apresentar manifestações mais graves. No caso do novo coronavirus chinês (2019-nCov), crianças ou adolescentes podem desenvolver sintomas respiratórios leves ou serem assintomáticos. No entanto, o novo coronavirus ainda precisa de mais estudos e investigações para caracterizar melhor os sinais e sintomas da doença.
O coronavirus que está afetando pessoas na China é o mesmo que afeta cães (vacina no Brasil)?
Não. Pesquisas para detecção de anticorpos contra o coronavirus canino (vacina no Brasil) em humanos tem sido feitas. Com isso, até o momento, nenhuma evidência sorológica para infecções por coronavirus respiratório ou entérico canino entre pessoas adultas imunocompetentes foi encontrada, apoiando a premissa de que os humanos não correm risco de infecções por coronavirus canino. No entanto, a transmissão infrequente de coronavirus canino entre espécies não pode ser descartada.
Poderia passar para todos os animais ou é restrito a uma espécie?
Em relação aos coronavirus patogênicos humanos, investigações detalhadas descobriram que o SARS-CoV foi transmitido de civetas (gatos selvagens) para humanos na China, em 2002, e o MERS-CoV de dromedários para humanos na Arábia Saudita, em 2012. Esses são considerados hospedeiros intermediários, que foram infectados por coronavirus transmitidos por morcegos, possivelmente por via fecal-oral. Com isso, podemos inferir que qualquer espécie animal pode ser infectado pelo coronavirus transmitido por morcego. Não significa que esse virus será capaz de sofrer mutações nesse hospedeiro e tornar-se competente para transmitir para outras espécies animais ou mesmo para humanos. Destacamos aqui que a maioria dos coronavirus animais, não são patogênicos para os humanos e infectam apenas uma espécie ou algumas espécies intimamente relacionadas, como aves, suínos, bovinos, gatos e cães, entre outros.
Existe alguma possibilidade do vírus infectar os cães?
Não há evidências que animais domésticos, como cães e gatos, possam ser infectados e transmitir o novo coronavirus. Mas, não podemos de maneira alguma descartar essa possibilidade.
Como ele surgiu no mercado de carne animal?
Os coronavirus patogênicos surgiram no mercado de carne através da captura de animais silvestres já infectados pelo coronavirus na natureza. Possivelmente, como os chineses tem costume de comer carne de animais silvestres, eles capturam esses animais silvestres e confinam esses animais em uma pequena área, favorecendo a transmissão fecal-oral e nasal entre os animais confinados e favorecendo a transmissão via secreção nasal para os humanos manipuladores dos animais e para as pessoas visitantes.
É possível uma vacina sair ao longo dos próximos meses ou pode demorar mais?
Como a doença é nova, não há vacina até o momento. Existem pesquisas em desenvolvimento que ainda precisam passar por testes clínicos.
Qual a viabilidade do vírus em nosso clima tropical (acima de 20°)?
Os coronavirus humanos podem permanecer infecciosos em superfícies inanimadas, em temperatura ambiente (15 a 25oC) por 2 horas até 9 dias. Uma temperatura mais alta, como 30 ou 40°C, reduziu a duração da persistência de MERS-CoV, altamente patogênico. A contaminação de superfícies inanimadas, frequentemente tocadas é, portanto, uma fonte potencial de transmissão viral. Até o momento, não foram encontrados dados sobre a transmissibilidade dos coronavirus das superfícies contaminadas para as mãos. No entanto, pode ser demonstrado com o virus influenza A que um contato de 5 segundos com a superfície contaminada pode transferir 31,6% da carga viral presente na superfície para as mãos.