O total de animais de estimação nos lares brasileiros já chega a 149,6 milhões, de acordo com o censo feito pelo Instituto Pet Brasil (IPB), em 2021. Os cães são maioria, 58,1 milhões, seguidos das aves canoras (41 milhões); dos 27,1 milhões de gatos; dos peixes ornamentais (20,8 milhões); e dos pequenos répteis e mamíferos, 2,5 milhões. Esses números colocam o Brasil no terceiro lugar no ranking de animais domiciliados.
Apesar do aumento da presença dos pets no ambiente familiar, o volume de animais abandonados cresce a cada ano. Segundo levantamento do mesmo instituto, o país tem quase 185 mil animais abandonados ou resgatados após maus-tratos que estão sob tutela de Organizações Não Governamentais (ONGs) ou de grupo de protetores, sendo 96% cães (177.562) e 4% gatos (7.398).
De acordo com o estudo feito pelo IPB com 400 ONGs, cerca de 60% desses animais foram vítimas de maus-tratos, enquanto 40% foram encontrados em situação de abandono. O Conselho Federal de Medicina Veterinária, por meio da Resolução CFMV nº 1.236/2018, descreve como maus-tratos qualquer ato, direto ou indireto, comissivo ou omissivo, que intencionalmente ou por negligência, imperícia ou imprudência provoque dor ou sofrimento desnecessários aos animais.
Privação de bem-estar, lesões físicas, desnutrição ou obesidade, espaços em condições precárias de higiene, abandono e alterações comportamentais, como agressividade e depressão, configuram atos de maus-tratos contra os animais.
Para a médica-veterinária e psicóloga Mariângela Souza, presidente da Comissão Estadual de Médicos-Veterinários de ONGs do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado do Rio de Janeiro (CRMV-RJ), as ações das autoridades para combater a crueldade animal ainda são pouco efetivas.
“É preciso identificar e combater, com rapidez e com rigor, práticas de abuso, agressão, negligência e crueldade dirigidos aos animais, por meio de leis específicas e de políticas públicas assertivas por parte das autoridades. É uma questão fundamental e prioritária de saúde única”, afirma a médica-veterinária.
Médico-veterinário e zootecnista
No combate aos maus-tratos aos animais, médicos-veterinários e zootecnistas exercem papel essencial. Cabe aos profissionais, diante de evidência de crueldade e abuso, registrar a constatação ou suspeita em prontuário médico, parecer ou relatório, que deverá ser encaminhado à delegacia de polícia ou às autoridades especializadas em meio ambiente ou defesa animal.
A Resolução CFMV nº 1.236/2018 estabelece que uma cópia do documento seja encaminhada também ao Conselho Regional de Medicina Veterinária ao qual o profissional está inscrito, para que sejam adotadas as medidas cabíveis junto aos órgãos competentes, como o Ministério Público.
Nesse sentido, o médico-veterinário pode atuar também como perito em colaboração com policiais, juízes, promotores, advogados, profissionais de saúde pública e de meio ambiente, com a realização de análises técnicas, laudos, pareceres e perícias relacionados à saúde e ao bem-estar animal.
As evidências coletadas podem ajudar na investigação e em um eventual processo judicial. Com base no laudo ou parecer técnico elaborado pelo médico-veterinário, as autoridades podem tomar as medidas necessárias para proteger o animal e punir os responsáveis pelos maus-tratos, inclusive com a perda da guarda, a aplicação de multas ou a prisão do agressor.
“A atuação do médico-veterinário perito em casos de maus-tratos é importante não só para garantir a proteção dos animais, mas também para conscientizar a população sobre a importância do respeito aos direitos dos animais”, ressalta o médico-veterinário Sérvio Reis, presidente da Comissão Nacional de Medicina Veterinária Legal (CONMVL/CFMV).
Reis destaca, ainda, que os médicos-veterinários desempenham função importante na prevenção de futuros casos de crueldade a animais por meio da educação, do aconselhamento, do monitoramento e da intervenção em casos de emergência.
Animais como sentinelas de violência doméstica
A ocorrência de caso de maus-tratos a animais nem sempre é apenas um fato isolado. Quando um cão ou um gato de estimação sofrem agressão, abuso ou são negligenciados, por exemplo, isso pode ser indicativo de que alguém que more na mesma casa esteja sendo vítima de violência doméstica. Ou seja, os animais atuam como sentinelas.
Essa correlação pode ser explicada pela Teoria do Elo ou Ciclo da Violência, a qual estabelece que, em um ambiente doméstico, uma pessoa agressiva ameaça, maltrata e trata com violência os membros mais vulneráveis, ou com menor capacidade de defesa, como crianças, jovens, mulheres, idosos e animais.
Mariângela defende que a agressão contra o animal é apenas a ponta do iceberg. “Muitas vezes, o que vem a público são os maus-tratos aos animais, situação identificada pelo médico-veterinário em sua prática profissional, mas podemos dizer que sinalizam, em um nível mais profundo, outras situações de abuso e violência familiar dirigidos às pessoas.”
A médica-veterinária e psicóloga explica que a agressão pessoal não é, apenas ou necessariamente, física, causando sofrimento psicológico, inclusive em razão do abuso e da violência impostos aos animais de estimação, que costumam ocorrer como estratégia do agressor para criar um ambiente de medo e submissão, em uma demonstração de poder e controle.
Para romper com o ciclo da violência no contexto da Teoria do Elo, o médico-veterinário e o zootecnista podem atuar como agentes de transformação social. “Eles contribuem para a redução da violência não só contra os animais, mas também contra as pessoas mais vulneráveis”, assinala.
Contudo, ao identificar a conexão com a Teoria do Elo, a médica-veterinária e psicóloga alerta: “Não é conveniente que o médico-veterinário atue diretamente, opinando ou estimulando o cliente a denunciar o agressor. É recomendado que ele oriente a procurar o apoio de profissional capacitado, como um psicólogo, advogado, médico ou assistente social”.
Como denunciar maus-tratos
Maltratar animais é crime e está previsto na Lei nº 9.605/1998, que estabelece sanções penais e administrativas para agressores, além de detenção de três meses a um ano, e multa. No caso de maus-tratos a cães e gatos, especificamente, a Lei nº 14.064/2020, ou Lei Sansão, prevê pena de dois a cinco anos de reclusão, multa e proibição da guarda.
Qualquer cidadão pode denunciar atos de maus-tratos a animais às autoridades competentes.
Saiba como:
- Delegacias de polícia – site ou presencial. Alguns municípios e estados possuem, inclusive, delegacias especializadas em meio ambiente ou na defesa animal.
- Ministério Público – site do MPF ou pelas ouvidorias dos Ministérios Públicos estaduais.
- Ibama – site do Ibama, presencialmente em uma unidade física da autarquia, ou pelo telefone 0800 61 8080 ou pelo e-mail linhaverde.sede@ibama.gov.br.
- Secretarias de Meio Ambiente dos estados e municípios também devem ser acionadas nas situações em que existam condições de maus-tratos que afetam animais selvagens, silvestres e espécies exóticas, bem como espécies domésticas.
Mais informações disponíveis aqui.
Assessoria de Comunicação do CFMV