Desastres e antibióticos marcam debates do Simpósio Internacional de Saúde Única
O segundo dia do I Simpósio Internacional de Saúde Única, em Curitiba, começou com um debate entre especialistas em desastres naturais e mudanças climáticas.
O chefe da Divisão de Gestão de Desastres da Defesa Civil do Estado do Paraná, capitão Romero Nunes da Silva Filho, falou sobre o trabalho necessário para dar respostas rápidas aos desastres naturais que demandam prontidão para emergências. “A Defesa Civil, na verdade, é um mecanismo para coordenar a gestão desses momentos de grandes desastres”, explicou o capitão.
Em 2011, fortes chuvas no litoral do Paraná deixaram três mil pessoas desabrigadas. Naquele momento, a Defesa Civil do estado percebeu a necessidade de organizar, reestruturar, procurar novos procedimentos e mapeamentos para evitar desastres, desenvolver mecanismos de sobrevivência e instalar gabinetes de gestão.
Desde então, o estado do Paraná registrou 4.922 ocorrências de desastres em 380 municípios, atingindo nove milhões de pessoas e gastando R$ 6,8 bilhões. “Precisamos melhorar os dados cada vez mais para calibrar as probabilidades dos planos de contingência”, avaliou o capitão, “até para mostrar às autoridades que conseguimos gastar muito menos se tivermos prevenção”, complementou. Isso requer antecipação de processos, levantamento de recursos e definição estrutural, mapeamento das zonas de risco e inventário dos polígonos vulneráveis e suscetíveis a desastres
“Meu trabalho é estabelecer planos de contingências”, afirmou Romero. Ele explica que todos os eventos de desastres, seja um tsunami, um vendaval, um desabamento de encosta ou uma inundação “são permeados por mais demandas do que soluções, mais problemas do que recursos, isso é um desastre”, esclarece. Para trabalhar nesses cenários caóticos, é essencial ter controle dos recursos disponíveis. Por isso, há necessidade de planos de contingência, que trabalham com probabilidades. “No entanto, sempre virão situações que não estavam planejadas, o desastre tem dinamismo e situações complexas”, alertou.
Pela experiência na área, o capitão tem a clareza de que protocolos engessados não funcionam e o trabalho colegiado e multiprofissional gera muito mais assertividade. Especialmente, disse, pensando na multidisciplinariedade da saúde única, já que todo desastre modifica o ambiente, provoca o trânsito de animais para ambientes urbanos que, por sua vez, levam as zoonoses e os vetores que ameaçam a sanidade humana, num cenário que já está em desordem e pandemia. “Para gerenciar os caos precisamos ser simples, objetivos, ter ideias claras, uma estrutura organizada, fazer o uso racional dos recursos disponíveis e estabelecer comunicação e linguagem padronizada”, concluiu.
Brigada animal
Para compartilhar as experiências de resgate de fauna em situações de desastres, a médica-veterinária Ana Liz Ferreira Bastos, do Conselho Regional de Medicina Veterinária de Minas Gerais (CRMV-MG), mostrou a evolução das ações de salvamento de animais em situações críticas. A primeira em que ela participou foi em 2011 na região serrana do Rio de Janeiro, e a mais recente, em Brumadinho (MG), em janeiro de 2019, quando se rompeu a barragem de mineração da empresa Vale, no Córrego do Feijão.
“Os animais importam e eles não podem ficar para trás”, afirmou Ana Liz. “Os planos de contingência precisam contemplar o resgate de animais, especialmente os cães e gatos que hoje fazem parte das famílias. Existe muita preocupação com os silvestres e pouco com os domésticos nessas situações”, revelou.
A especialista em Medicina Veterinária de desastres esclarece que o resgate de animais vai além de salvar. “Requer alimentar, dar assistência veterinária, transportar de forma adequada, manejar considerando o bem-estar e, especialmente, pensar na destinação dos animais, que acabam virando um problema da saúde única, por serem vetores de zoonoses”, alertou.
Desde Brumadinho, Ana Liz defende com veemência que os protocolos de prevenção de desastres precisam ser aperfeiçoados, com planos de contingência e sistemas de comando que incluam os trabalhos de resgate e primeiros-socorros de animais sobreviventes em cenários caóticos. Isso já vem sendo feito por um grupo de trabalho coordenado pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária, em parceria com o CRMV-MG. Mas isso não basta, segundo Ana Liz.
“Precisamos definir políticas públicas, criar departamentos da defesa civil com médicos-veterinários e zootecnistas, criar um órgão específico para manejo da fauna em situação de desastres, instalar esquemas direcionados de vigilância ambiental, epidemiológica e entomológica, capacitar e treinar mais profissionais, inclusive prepará-los psicologicamente, fornecer consultoria às empresas responsáveis, ter mais estudos e aperfeiçoar programas de controle de endemias e seus vetores, bem como educar a população para momentos de desastres”, opina.
Mudanças climáticas
Motivado a mostrar que as mudanças climáticas estão ocorrendo, o biólogo Leonardo Freitas, doutor em geografia e PhD em gestão de riscos de desastres, abriu sua palestra afirmando que os dados comprovam a existência das variações climáticas e que a ação do homem está influenciando isso, aumentando o número de deslizamentos induzidos por chuvas extremas.
Pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Freitas explicou que estão diminuindo os dias que chovem, mas a quantidade em volume hídrico continua a mesma. São poucos dias de chuvas fortes, com grande volume de água, acima de 100 milímetros, que são as grandes causadoras de desastres. Ao mesmo tempo, está aumentando o período de seca.
“Hoje temos uma maior quantidade de chuvas fortes que causam desastres de origens naturais, como inundações, e, ao mesmo tempo, períodos de escassez e seca prolongada, pois sabemos que são as chuvas fracas e perenes que enchem os lençóis freáticos e os bolsões de água”, afirma ele.
De acordo com Freitas, os desastres provocados pelas enchentes têm impactos diretos e indiretos significativos sobre a saúde, como agravos e doenças (diarreias, gastroenterites, leptospirose, dengue, zyka, chikungunya), e transtornos mentais e de estresse pós-traumático.
Resistência aos antimicrobianos
Considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) uma das principais ameaças à saúde, a resistência aos antimicrobianos (RAM) foi tema central do segundo módulo do simpósio. O farmacêutico e bioquímico Marcelo Pilonetto levou uma projeção elaborada por um macroeconomista contratado pelo governo britânico para entender os riscos futuros desse problema. “Esse estudo aponta que, se não fizermos nada, chegaremos a 10 milhões de óbitos por ano até 2050. Isso representa uma morte a cada três segundos e custará R$ 360 trilhões a mais à saúde pública. Um impacto econômico enorme”, alerta.
Um dos principais motivos para esse cenário é, além do já conhecido uso indiscriminado de antibióticos, a falta de novos medicamentos. A equação entre investimento e lucro não atrai as indústrias farmacêuticas, que enfrentam o ganho reduzido com a quebra da patente e consequente autorização para a produção de medicamentos genéricos. Com bactérias cada vez mais resistentes e drogas menos eficazes, o combate aos antimicrobianos se torna tarefa difícil.
Prevendo esta dificuldade, o macroeconomista descreveu em seu relatório os dez passos a serem seguidos para evitar a tragédia anunciada. Dois deles aplicados na prática durante o simpósio: conscientização e colaboração multissetorial. Além destas, destaca-se a necessidade de promover a higiene e sanidade da população, o diagnóstico rápido e a vigilância ativa.
Neste caso de levantamento de dados, inclusive, Pilonetto apresentou o trabalho que vem realizando no Laboratório Central de Saúde Pública do Paraná (LACEN-PR) com a aplicação do Plano Nacional de Monitoramento e Vigilância da Resistência a Antimicrobianos (BR-GLASS). Instituído pela OMS em 2014, o plano passou a ser utilizado pelo Brasil em projeto piloto no Paraná em 2018.
Atualmente, 11 hospitais paranaenses integram o BR-GLASS, três deles atualizando frequentemente os dados no sistema. A expectativa é que no próximo ano o programa seja expandido para São Paulo, Distrito Federal, Bahia e Amazonas.
“Os polos sentinelas reportam dados ao Centro de Coordenação Nacional, que é apoiado pelo laboratório. Após a validação, eles são reportados à OMS”, relata. Animado, ele anunciou que no prazo de um ano os números de resistência aos antimicrobianos em animais serão integrados ao sistema humano para traçar dados comparativos.
Para a professora Eliane Carvalho de Vasconcelos, a troca de conhecimento é fundamental para o completo entendimento do problema. Em sua palestra, ela abordou como a resistência antimicrobiana afeta o ambiente aquático. “O grande problema quanto a isso é a questão das trocas que podem acontecer no ambiente aquático e nas estações de esgoto, onde os genes adquiridos e até mesmo desenvolvidos por esses microrganismos podem ser transferidos para outros”, relata. Por isso, destaca, “é necessário ter consciência na hora de prescrever esses medicamentos e ter um conhecimento maior do quanto isso pode impactar na resistência aos antimicrobianos”.
Assessorias de Comunicação Social do CFMV e CRMV-PR