Sistema CFMV/CRMVs unido em defesa do Setembro Amarelo de prevenção ao suicídio
Rodeada de tabus e preconceitos, a saúde mental é um tema que precisa ser debatido e tratado com a seriedade que merece. A campanha Setembro Amarelo – Mês de Prevenção ao Suicídio tem justamente o objetivo de mostrar que enfrentar o estigma é salvar vidas. O Sistema CFMV/CRMVs está engajado à iniciativa, e preparou uma série de ações para alertar quanto à necessidade de conversar sobre o assunto e estar atento aos sintomas.
No caso de médicos veterinários, a atenção precisa ser redobrada. Dados do Sistema Único de Saúde (SUS) revelam que a classe profissional apresenta o maior risco de suicídio no Brasil: a taxa é de 10,6 para 1 frente à população em geral. As causas apontadas para esse fenômeno são, principalmente, a síndrome de burnout e a fadiga por compaixão. A primeira compreende o esgotamento emocional crônico por sobrecarga de trabalho; já a fadiga por compaixão é a exaustão emocional de trabalho em prol do outro.
Confira algumas das campanhas realizadas pelo Sistema CFMV/CRMVs.
AÇÃO CONJUNTA CRMVs RN, RJ, BA e RS
Em uma das ações, os conselhos do Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Bahia e Rio Grande do Sul promoveram um diálogo nas redes sociais para enfatizar a importância de manter a saúde mental e a prevenção ao suicídio em pauta.
CRMV-RN
Setembro é o mês de conscientização sobre a prevenção ao suicídio – um assunto delicado, mas que precisa ser discutido em sociedade. Durante esse período, instituições, monumentos e pessoas usam a cor amarela para lembrar o movimento e levantar debate sobre o tema. Apesar de durar todo o mês, a campanha teve o dia 10 instituído como o dia nacional de combate ao suicídio. Nós também estamos juntos nessa luta! Mas, @crmvba , como é que tudo isso começou?
CRMV-BA
@crmvrn, a campanha @setembroamarelo foi criada no Brasil, em 2015, por meio de uma ação conjunta entre o @cvvoficial, o @medicina_cfm e a @abpbrasil. A cor amarela tem origem em um caso que aconteceu nos Estados Unidos, em 1994, quando Mike Emme, então com 17 anos cometeu suicídio dirigindo um carro amarelo e a família dele passou a encabeçar ações de prevenção ao suicídio e a utilizar a cor amarela, em referência à cor do carro de Mike. Embora pouco seja falado, os dados sobre suicídio impressionam (veja na imagem). Mas, @crmvrj, quais são as principais causas do suicídio?
CRMV-RJ
Olá, @crmvba, @crmvrn! Não existe causa ou comportamento específico que levem ao suicídio. Mas alguns fatores podem ser observados como agravantes. Solidão, depressão, luto, perdas afetivas, problemas relacionados a dificuldades financeiras e à Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional estão entre elas. O #Burnout é descrito como uma doença relacionada ao trabalho pelo Ministério da Saúde (MS) desde 1999 e a principal causa da doença é o excesso de trabalho. Esta síndrome é comum em profissionais que atuam diariamente sob pressão e com responsabilidades constantes, como médicos, médicos-veterinários, enfermeiros, professores, policiais, jornalistas, dentre outros. Essa síndrome pode resultar em estado de depressão profunda e por isso é essencial procurar apoio profissional no surgimento dos primeiros sintomas.
@crmvrs, aqui no #CRMVRJ nós temos o #ProjetoSobreoViver para auxiliar no cuidado da saúde mental dos profissionais, identificando situações que estão interferindo diretamente no desempenho profissional. Em outras localidades, onde é possível encontrar ajuda?
CRMV-RS
O importante, @crmvrj, @crmvba e @crmvrn, é que o assunto não seja tratado como tabu e os sinais interpretados como um pedido de ajuda, e não de fraqueza. Só com o diálogo é possível oferecer a atenção adequada ao problema e impedir que o pior aconteça. Por isso, não se pode ter medo nem vergonha de falar sobre o assunto, e ficar atento aos principais sinais para estender a mão a quem precisa. Os sintomas mais comuns são o isolamento, descuido com aparência, alterações no sono e apetite, perda de interesse pelo estudo, trabalho e atividades que gostava de praticar, e mudanças drásticas de hábitos. Frases como ‘quero desaparecer’ ou ‘preferia estar morto’ também são indicativos de necessidade de auxílio. E a conversa realmente funciona. Segundo a @OMS, 9 em cada 10 mortes por suicídio podem ser evitadas.
Projeto Sobre(o)Viver – CRMV-RJ
O Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado do Rio de Janeiro (CRMV-RJ) atento às necessidades da classe médico-veterinária e observando o crescente desânimo de alguns médicos-veterinários, exaustos ou seguindo frustrados, disponibiliza o Projeto Sobre(o)Viver para auxiliar no cuidado da saúde mental dos profissionais, identificando situações que estão interferindo diretamente no desempenho profissional.
O projeto já foi tema de um evento de três dias, em 2018, que contou com a participação de médicos-veterinários, psiquiatras, psicólogos, grupos de apoio – como Tanatovet, Centro de Valorização da Vida (CVV), Instituto Entrelaços, Instituto Valoravita e outros, além de advogados e outros especialistas. Desde que virou ação permanente do CRMV-RJ, em maio de 2019, disponibiliza semanalmente vasto conteúdo sobre síndrome de burnout, transtorno de ansiedade, como lidar com o luto em Medicina Veterinária, imagem profissional diante das redes sociais e outros temas.
“Percebemos que o Projeto Sobre(o)Viver está ganhando uma proporção muito bacana e está atingindo o seu objetivo de ajudar os médicos-veterinários ao abordar temas tão delicados e importantes que acabam impactando na rotina veterinária”, afirma a médica-veterinária e idealizadora do Projeto Sobre(o)Viver, Andréa Marinho.
REVISTA CFMV 80
A Revista CFMV abordou a questão na edição 80, em entrevista especial com Rodrigo Rabelo, médico-veterinário intensivista e gerente do Departamento de Pacientes Graves do Intensivet Núcleo de Medicina Veterinária Avançada (DF). Também consultor em medicina intensiva e gestão hospitalar Lean health care, ele monitora preventivamente suas equipes e alerta os empregadores. “Esse cuidado é importante, porque dificilmente a pessoa percebe que está em burnout”.
Confira!
Publicado há cerca de dois anos, o Estudo de Bem-Estar Veterinário (Merck Animal Health Veterinary Wellbeing Study), conduzido pelo laboratório MSD, em parceria com a American Veterinary Medical Association (AVMA), mostrou que 30% dos profissionais tiveram episódios de depressão após concluir o curso e, em 17%, houve tendências suicidas. O que os torna vulneráveis?
Rodrigo Rabelo – No estudo americano, a sobrecarga de trabalho (overload) revelou-se a causa mais importante para a doença, bem como a necessidade de lidar com funcionários e clientes sob alto nível de estresse, a vivência com os erros médicos e o luto. Já em dois estudos que realizamos pela Intensivet – um em parceria com a Universidade de Santo Thomaz, em Concepción (Chile), e outro, ainda inédito, feito no Brasil –, a falta de reconhecimento é algo importante na América Latina, associada a ter que lidar com o luto contínuo, carga de trabalho exagerada e remuneração mal ajustada ao nível de conhecimento exigido.
Outra pesquisa, inglesa, indica que a taxa de suicídio de médicos-veterinários é quatro vezes maior do que na população em geral. Como é no Brasil?
Rodrigo Rabelo – É parecido. Os últimos dados do Datasus são de 1980 a 2007 (Sistema de Informação de Mortalidade/Datasus/Ministério da Saúde) e indicam que a taxa de suicídios de médicos-veterinários é de 10,6 vezes para um, frente à população em geral, enquanto a possibilidade de cometerem o ato é 2,25 vezes maior.
O termo “fadiga por compaixão” ainda é pouco conhecido no Brasil. Como ele surgiu e de que modo ela se manifesta? Há estatísticas sobre o tema?
Rodrigo Rabelo – Até 2017, o burnout não constava na Classificação Internacional de Doenças (CID), usada no mundo inteiro. A fadiga por compaixão nem classificada está. Trata-se de uma condição experimentada por cuidadores que estão em sofrimento ou estresse gigante, refletindo a tensão e preocupação com a dor do outro, num nível em que se assume o estresse pós-traumático secundário. Essa síndrome foi descrita dez anos atrás, pelo médico Charles Figley, referente a enfermeiros que tratavam veteranos da Guerra do Iraque. Cuidar do outro sem cuidar de si pode levar a comportamentos autodestrutivos. Fadiga, isolamento, guarda das emoções e abuso de álcool e drogas são alguns sintomas. As principais causas de deflagração das síndromes laborais nos profissionais do país são: lidar com a morte cinco vezes mais do que outros profissionais da saúde e a falta de definição de objetivos reais na vida pessoal e profissional. Medir o problema é essencial. No Brasil e em vários países, somos a profissão que mais se suicida. É um dado alarmante.
Como diferenciar síndrome de burnout de fadiga por compaixão?
Rodrigo Rabelo – A diferenciação é complicada e não sabemos se daí surgiu uma nova síndrome laboral, na qual o alto nível de cuidado se torna destrutivo, associado à carga pesada de trabalho e à falta de reconhecimento profissional. Ambas se misturam – o burnout está mais relacionado ao esgotamento emocional crônico por sobrecarga de trabalho, enquanto a fadiga, à exaustão emocional de trabalho por outra pessoa. Para medir a fadiga por compaixão, o questionário de 12 perguntas é o mais clássico, com questões sobre se irritar ou chorar por estresse no trabalho e levar situações profissionais para casa, entre outras. O questionário que se aplica ao burnout, sendo o Maslach o mais conhecido, avalia níveis de esgotamento emocional, realização profissional e despersonalização (grau de distanciamento que o profissional mantém do paciente). Em brasileiros, há um alto grau de esgotamento emocional associado a um bom nível de realização e baixa despersonalização, indicando um cruzamento entre fadiga da compaixão e burnout – tomamos o paciente como nosso e nos emocionamos, o que são sinais claros de fadiga. É preciso cuidado para não as confundir com depressão, síndrome do pânico e estresse pós-traumático, daí a importância de buscar ajuda de psiquiatra ou psicólogo envolvido com doenças laborais.
Idealizar a profissão pode ser um fator de predisposição a distúrbios psíquicos?
Rodrigo Rabelo – Muitos colegas ingressam no curso porque amam os animais, mas deveriam fazê-lo porque amam as pessoas. Idealizar uma profissão pode ser, sim, um fator de risco. É importante entender que o curso forma um agente de saúde pública, que usa a saúde dos animais como instrumento para salvar vidas humanas, seja cuidando deles, seja evitando zoonoses, mas sabendo que vai lidar com pessoas. A idealização vem da falta de treinamento para a futura realidade, por isso na graduação devia haver disciplinas obrigatórias sobre ética, comunicação de más notícias, lidar com o luto e gestão de recursos humanos.
É possível traçar um perfil do médico-veterinário propenso ao burnout?
Rodrigo Rabelo – É interessante perceber que, no estudo americano, o burnout afeta mais as mulheres de até 50 anos, formadas há mais de uma década, separadas ou solteiras, sem filhos. No Brasil, as vítimas são casadas, tiram poucas férias e não praticam atividade física nem um hobby, enquanto no Chile a prevalência é em solteiros. Tudo isso mostra que é preciso cautela com estudos de correlação, pois nenhum é de causa e efeito, randomizado nem duplo-cego, ou seja, não se propõem a descobrir a causa. Então, é complicado pensar em como reduzir a incidência sem gerar dados estatísticos mais apropriados.
Em que momento a necessidade de buscar ajuda se torna perceptível? Como se cuidar?
Rodrigo Rabelo – Os locais de trabalho devem ter uma área ou pessoa responsável por monitorar o estado mental dos colaboradores. Na clínica, nossa função como gestores é monitorar e mapear, usando questionários. Esse tipo de cuidado é importante, porque é muito difícil a pessoa perceber que está em burnout. Aos profissionais, uso e recomendo alguns truques. Um: não trabalhar cansado. É difícil, muitos são arrimos de família e assumem vários plantões noturnos, mas não é saudável. Outro ponto é manter a calma durante o atendimento e não priorizar a rapidez, mas o bom uso do tempo para realizar os procedimentos. Conhecer as normas que regem a profissão ajuda numa atuação mais centrada. O que cada um pode fazer é impor-se limites, delegar funções, ter tempo para descanso, se alimentar e até beber água. Escolha suas batalhas, eduque-se financeiramente e prepare-se para o futuro com a profissão que escolheu. Com persistência, paciência e resiliência, é possível alcançar seus objetivos. Essas medidas ajudam o profissional a se organizar e realizar uma comunicação de qualidade, gerando compromisso entre a equipe e com os clientes. Também é importante ter um hobby, praticar exercícios físicos ou mentais e seguir uma crença que represente um porto seguro. O fato é: não vamos salvar 100% dos animais nem ficar acordados 24 horas, todo dia.
Médicos-veterinários de determinadas áreas são mais vulneráveis?
Rodrigo Rabelo – Não conheço estudos, mas há uma percepção de que o profissional mais vulnerável é o clínico de animais de companhia ou aspirante a intensivista que lida com internação, pois vive a morte e o baixo reconhecimento como rotina – mais até do que oncologistas, que tratam o animal, mas dificilmente estão no momento de sua morte.
É possível amparar de forma ampla esses profissionais, inclusive por meio de políticas públicas de saúde?
Rodrigo Rabelo – Inserir a fadiga por compaixão na CID, tornando o suporte psicológico e psiquiátrico acessível via plano de saúde ou sistema público de saúde, seria um primeiro passo. Unir forças com profissionais de outras áreas da saúde para melhorar o potencial investigativo dessas doenças, envolver o Ministério da Educação numa mudança curricular e promover melhores condições de estudo e trabalho seriam medidas importantes. Será inevitável conviver com o excesso de escolas e as graduações a distância. Um caminho, então, é buscar que as instituições insiram na grade curricular o preparo sobre doenças laborais e o mercado de trabalho, por exemplo. Sugiro também que clínicas com plantões de 24 horas e internação tenham algum programa de controle que monitore a condição laboral de quem está no dia a dia dos cuidados intensivos com animais.
O que é o Setembro Amarelo
Desde 2015, o mês de setembro marca, no Brasil, uma série de ações voltadas à manutenção e melhora da saúde mental dos cidadãos, especialmente as voltadas à prevenção ao suicídio. Trata-se do Setembro Amarelo, criado numa iniciativa conjunta do Centro de Valorização da Vida (CVV), Conselho Federal de Medicina (CFM) e da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
A inspiração vem da data de 10 de setembro, instituída pela Organização Mundial de Saúde (OMS), pela Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio (IASP) e a Federação Mundial para Saúde Mental (WFMH) como o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio. De acordo com relatório da OMS, divulgado em 2018, cerca de 800 mil pessoas na faixa etária de 15 a 29 anos morrem por suicídio no mundo.
A cor amarela foi escolhida como símbolo da prevenção do suicídio, em 1994, em homenagem ao adolescente americano Mike Emme, de 17 anos. O jovem cometeu suicídio enquanto dirigia seu carro, um Mustang, que havia pintado de amarelo. Amigos e familiares disseram nunca ter percebido sinais de angústia em Mike. Como forma de homenagem e conscientização, seus amigos fizeram uma cesta com 500 cartões enfeitados com fitas amarelas que traziam a mensagem “Se você precisar, peça ajuda”.
Setembro tornou-se, então, o mês de conscientização da população e dos profissionais de saúde da prevenção de suicídios e da promoção de práticas que viabilizem melhor saúde mental. O CVV estabeleceu no Brasil a cor amarela representando a vida, a luz e o sol, simbolizando a proposta da campanha.