Docência: Veterinária ultrapassa preconceitos e se realiza na profissão
Perceba, por esta descrição, que estamos falando de uma veterinária, mulher, de punho firme, que sempre soube o que fazer e como realizar seus sonhos: na graduação, é Professora Adjunto II, responsável pelas disciplinas de Patologia Veterinária I e II e Oncologia Animal; na pós-graduação, orienta residentes na área de Patologia Veterinária e leciona a disciplina de Oncologia Animal. Na administração, é vice coordenadora do programa de Estágios Supervisionados da Medicina Veterinária, bem como representante do Centro de Ciências Agrárias (CCA), no Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão (Consepe), da Universidade Federal da Paraíba (UFPB, João Pessoa/PB). Além disso, desenvolve Projetos de Extensão com assistência médico-veterinária a assentamentos rurais do Estado e realiza pesquisa científica com Medicina Vibracional em animais.
Estamos falando de mais uma protagonista do nosso Dia Internacional da Mulher: a médica-veterinária mestre e doutora, Gisele Castro Menezes, que também leva um grande significado junto às suas funções: ser um exemplo para a sociedade e, também, para as transexuais enquanto docente doutora. Isso porque, há 15 anos, ela se transformou, realmente, no que sempre foi: mulher. “Quero mostrar para a população e para as outras transex que podemos ocupar cargos importantes e que, para que isso aconteça, precisamos destacar nossa competência, nosso esforço e nosso estudo. O lugar das transexuais é onde elas queiram estar”, pondera.
A profissional conta que, quando criança, época em que já sonhava em fazer Medicina Veterinária, não alcançava a total felicidade por ter que participar de atividades e vestir roupas que não lhe agradavam. Já na adolescência, descobriu que aquele corpo não era seu, com a vinda dos hormônios. “Fui reprimida a vida inteira pela família e pelos amigos, pois, na época, esse assunto era um grande tabu. Assim, só pude iniciar meu processo como transex a partir de minha independência financeira e profissional, o que ocorreu há 15 anos, quando comecei a comprar perucas e vestidos e me vestir de Gisele, mas só para ir a festas. Comecei a deixar o cabelo crescer e usar roupas mais femininas, porém tive uma nova repressão: a do trabalho. Atuava em uma universidade tradicional mineira e esse meu ‘novo jeito’ não agradou”, narra.
Mas essa fase ruim ficou para trás. Há 10 anos, Gisele foi aprovada em um concurso público federal para trabalhar onde se encontra hoje. “A partir desse dia, a Gisele ‘da noite’ deu lugar à Gisele ‘do dia’. Essa mudança em minha vida representa a afirmação de minha verdadeira identidade. Sempre vivi reprimida em todos os sentidos e, hoje, consigo ser quem realmente gostaria. Então, essa mudança representa liberdade”, expressa.
Vocação. “Sempre amei os animais e o contato com a natureza. Pegava cães e gatos de rua e adotava. Minha mãe ficava perdida. Nunca tive dúvidas da profissão a seguir e sou uma médica-veterinária realizada com muito orgulho e amor”, descreve Gisele, cujo primeiro emprego foi em uma clínica veterinária de animais de companhia, onde clinicou por 4 anos. “Depois, me especializei em Patologia Veterinária, porém, não deixei de clinicar, atendendo casos de Oncologia Animal. Atualmente, clinico por meio do Projeto de Extensão, atendendo cães e gatos de assentamento rural, bem como casos de Oncologia, no Hospital Veterinário da UFPB”, conta.
A professora afirma que a principal característica do docente que difere do clínico é que, na docência, é preciso desenvolver métodos pedagógicos e de didática que não são ensinados na graduação, assim como é ensinada a disciplina de clínica, por exemplo. “Além disso, na docência, temos características singulares, como aprender a falar em público, o desenvolvimento das relações interpessoais com vários alunos que exibem comportamentos diferentes, bem como o desenvolvimento de atividades de pesquisa”, descreve.
A responsabilidade da docência, na visão de Gisele, é muito grande, pois os professores são formadores de opiniões e ela se preocupa com a qualidade das aulas, com a didática e com os métodos utilizados em seu ensino. “Isso porque deles dependem o aprendizado do nosso futuro profissional que lidará com vidas preciosas”, argumenta.
Gisele conta que nunca sofreu preconceito explícito de qualquer natureza dentro da instituição (Foto: divulgação)
Transexualidade e docência. Na universidade, o título de professora doutora pesa muito mais do que ser transexual, segundo Gisele, por isso, o respeito dentro do meio acadêmico sempre existiu. “Nunca sofri preconceito explícito de qualquer natureza dentro da instituição e creio que meu bom comportamento no campus também reflete na conduta das pessoas, pois eu respeito para ser respeitada”, compartilha.
Gisele acredita ser de extrema importância difundir a presença de transexuais dentro das instituições de ensino para que ninguém julgue as pessoas pela sua orientação sexual, mas, sim, pelo seu caráter como pessoa e pela sua competência enquanto profissional. “Não costumamos ver transexuais no comércio, nas lojas, nos shoppings, porque a sociedade ainda traça um estereótipo marginalizado, sempre ligados à prostituição, drogas e brigas. Porém, essa imagem preconceituosa deve ser combatida e é isso que tento fazer, divulgando o trabalho de uma transexual doutora e incentivando minhas amigas mulheres transexuais a seguirem esse caminho e a apoiá-las nos estudos”, expõe.
Mulher trans na Veterinária. “Ser uma mulher transexual e veterinária é uma dupla realização. Infelizmente, devido à grande repressão social, no trabalho e familiar, a mulher concreta veio muito depois da veterinária, porém, ela sempre existiu”, discorre.
Essa realização, de acordo com Gisele, se completou com a docência, pois, desde adolescente, o gosto pela profissão já aflorava nos ensinamentos que passava à sua irmã, o que foi reforçado nas apresentações dos trabalhos da escola e nas monitorias da graduação. “É preciso lembrar que, antes de ser mulher, veterinária e professora, sou um ser humano, com sonhos, vontades, realizações e frustações. No decorrer da vida, aprendi a dar valor às coisas boas que tenho e que conquistei, a dar valor às coisas simples da vida e a não me importar com as decepções, pois elas sempre vão existir e servem como aprendizado”, analisa.
Hoje, Gisele é grata dentro da profissão por dois grandes motivos: por salvar vidas e por formar profissionais, atuando como professora. “É extremamente gratificante ver um animal recuperado após uma doença ou um animal sem dor após um socorro por um acidente. Assim como também é prazeroso acompanhar a evolução e o crescimento de um aluno durante o curso, bem como seu sucesso na vida profissional. Ver um ex-aluno ministrando uma palestra ou participando de uma entrevista e se destacando no mercado de trabalho é a realização de uma professora, pois sabemos que fomos importantes em sua formação e que parte desse sucesso pertence a nós”, conclui.